O «caso do copianço» no Centro de Estudos Judiciários (CEJ)
ilustra, como poucos, uma das principais causas da degenerescência da
Justiça portuguesa. Em vez de ser um verdadeiro centro de formação, o
CEJ transformou-se numa espécie de universidade em que os formandos
foram reduzidos ao estatuto de alunos e os formadores elevados à
categoria de catedráticos. E, assim, em vez de efectiva preparação
profissional, o CEJ ministra um ensino essencialmente teorético e
laboratorial assente no paradigma professor/aluno, em que a cabeça dos
formandos é atulhada com tecnicidade jurídica pelos seus omniscientes
mestres. Não admira que, assim tratados, os chamados auditores de
Justiça se comportem como alunos, para quem copiar nos exames sempre
foi uma espécie de direito natural.
Só que esses alunos com 26, 27, 28 anos de idade serão, dentro
de meses, magistrados que exercerão uma função soberana de forma
totalmente irresponsável e independente. Sem qualquer experiência
profissional, bom senso e capacidade de compreensão dos problemas
concretos da vida, eles passam de alunos a titulares de poderes
soberanos vitalícios, em cujo exercício vão continuar a reproduzir os
mesmos métodos do CEJ, ou seja, a copiar uns pelos outros sentenças e
despachos, às vezes com tal displicência que nem os nomes das partes
corrigem. E, assim, com essa «mentalidade de copianço», eles vão, como
magistrados, dedicar-se com inusitado zelo à cultura das «chocas»
(cópias de decisões de outros casos, próprias ou de colegas) que
diligentemente armazenam nos seus computadores. ****
E depois, através da laboriosa actividade do copy/paste, «proferem»
longuíssimos despachos,
sentenças e acórdãos, sempre com a mesma prolixa fundamentação que,
mecanicisticamente, vão transpondo de uns processos para os outros com
soberana displicência. E, em vez de se esforçarem por resolver com
sensatez e prudência os litígios da vida, eles continuarão a
preocupar-se apenas com o «professor», que agora é o todo-poderoso
inspector do Conselho Superior da Magistratura que os virá avaliar. E,
assim, as suas decisões soberanas estarão mais voltadas para agradar
ao inspector que temem do que para a questão concreta que deveriam
resolver com justiça.
Infelizmente, o CEJ não forma magistrados, mas sim majestades.
Os «alunos», em vez de serem preparados para prestar um serviço
público à comunidade, são formatados para aceder a uma casta e
defenderem à outrance um poder ilimitado e irresponsável, sem qualquer
escrutínio democrático. O resultado está à vista!
Mas há um segundo aspecto que não é menos importante e que tem
a ver com a honestidade. Quem utiliza métodos fraudulentos para chegar
a magistrado não deixará de utilizar métodos fraudulentos no exercício
dessas funções. Por isso devia haver um especial rigor na selecção das
pessoas que pretendem aceder à magistratura, até porque, uma vez
atingido esse estatuto, eles ficam totalmente fora de qualquer
escrutínio.
Nunca vi um magistrado ser punido por desonestidade nas suas
decisões e, no entanto, eles são tão (des)honestos como outros
profissionais. Em todas as profissões e funções (advogados, médicos,
engenheiros, professores, funcionários públicos, polícias, autarcas,
deputados, governantes, etc.) há pessoas desonestas, mas quando
chegamos aos magistrados eles são todos honestos. É falso. Eles não
são feitos de uma massa diferente da do comum dos mortais. O problema
é que eles julgam-se uns aos outros, protegem-se uns aos outros,
exculpam-se uns outros, muitas vezes sem qualquer pudor. Algumas das
piores desonestidades a que assisti em toda a minha vida foram
praticadas em tribunal por magistrados, sobretudo juízes, sem
quaisquer consequências porque a desonestidade deles é absorvida pelas
sua independência e irresponsabilidade funcionais.
Existe na sociedade portuguesa uma ideia antiga, segundo a
qual «se é juiz é honesto». Ora, isso não é verdadeiro. O princípio
correcto devia ser: «se é honesto, então que seja juiz». Mas, como se
vê com o «caso do copianço», a honestidade pessoal não é critério para
a selecção dos magistrados.****