Carta da ALICE
"Carta ao meu "amigo" Zé Socras
Zé, meu compincha que tão bem me entendes e compreendes,
Escrevo-te esta carta porque estou revoltada e quero protestar contra as injustiças deste
povo em relação a ti e ao teu magnífico governo. Escrevo-te para manifestar a minha
solidariedade para contigo, génio incompreendido, como, de resto, o são todas as
grandes mentes. Tu, que procuras o bem do teu país, tu que lutas pelo desenvolvimento
tecnológico, pela educação, pela saúde, pela economia, pelo trabalho... E, apesar de
todos os teus abnegados e heróicos esforços, ninguém te compreende!
Cerca de 300.000 pessoas, um pouco por todo o país, tudo a protestar contra o estado das
coisas, contra a falta de oportunidades... Eles não entendem o que tu já tens feito pelo
bem deles!
Tu, que levaste para a frente as Novas Oportunidades para que qualquer analfabeto
possa aumentar a sua auto estima dizendo que tem o 9º ano sem ter que ir às aulas;
Tu, que criaste programas de estágio para que os licenciados e mestres possam adiar
uns meses o desespero do desemprego e, entretanto, serem explorados a baixo custo com
imensas regalias... para as empresas;
Tu, que proporcionaste aos alunos a possibilidade de transitarem de ano sem
qualquer esforço, criando dificuldades aos malvados dos professores que os queiram
reter caso não tenham tido aproveitamento;
Tu, que deste a volta àquela insustentável segurança social que não dava lucros
nenhuns, como era o seu objectivo, garantindo, agora, que todos possam ter reformas
menores e menos protecção na doença e no desemprego;
Tu, que cortaste os salários aos funcionários públicos, mas que tiveste a decência de
salvaguardar os vencimentos dos administradores e dos teus amiguinhos;
Tu, que criaste mais dívida para que todos possamos sonhar com uma viagem de
TGV, apesar de não termos dinheiro para os bilhetes e enquanto os trabalhadores da CP
vêem as suas condições de trabalho a piorar; mas que no entanto toda a família destes
trabalhadores, anda à borla nos comboios em 1ª classe, (á conta do povo)
Tu, que poupas dinheiro e decides não fazer um metro em cidades insignificantes como
Coimbra, que não te metes em despesas com transportes públicos, tu que ainda por cima
só tens 20 motoristas por tua conta e uns poucos por conta dos teus amiguinhos;
Tu, que organizas festas e viagens para mostrar o que de "melhor" por cá se faz, sem
olhares a custos...
Tu, que és tão bonzinho, que nos compreendes tão bem, que és tão solidário para
com os jovens, para com os trabalhadores, para com os pensionistas... Ninguém te
compreende... Pedes justificados e pertinentes sacrifícios à população, discursas
sobre o quanto nos entendes e lamentas o que passamos, pois não tens quaisquer
responsabilidades sobre o estado das coisas! A culpa é da Ângela, do Nicolau e dos
outros meninos maus da Europa. Tu não tens culpa!
Não tens culpa de te preocupares com as despesas excepto com as que dizem respeito a
ti e aos teus amigos!
Não tens culpa de quereres luxos na educação, saúde, tecnologia e transportes (de que
importa se ainda nem o básico está assegurado?)!
Não tens culpa de desconheceres o que é viver com um salário mínimo ou médio tendo
comida, escola, gasolina, água, gás, luz, medicamentos, e outras despesas que tais, para
pagar.
Não tens culpa que os professores se sintam mais reclusos que educadores e fontes de
conhecimento por causa dum modelozinho de avaliação inofensivo.
Não tens culpa que os pais dos meninos não tenham dinheiro para lhes pagarem os
estudos e os sustentarem quando eles não arranjam emprego.
Enfim... Às vezes sinto que vivemos num mundo ao contrário...
Eu, chamo-me Alice e vivo em Portugal, um país que não me dá oportunidades de
crescimento, que desaproveita todo o investimento que eu, os meus pais e o estado
fizeram no meu desenvolvimento pessoal e académico.
Tu és o Zé e vives no País das Maravilhas, um país em que tudo é como devia ser,
graças a ti, mas as pessoas que o habitam são burras e não percebem o bem que lhes
fazes.
Não me alongarei muito mais nesta carta, pois já deves ter percebido que estou do teu
lado e que te compreendo totalmente! Sugiro-te que saias de Portugal... Por muito que
te custe abandonar a pátria pela qual tanto te tens sacrificado, julgo que terás um futuro
melhor, em que sejas mais bem tratado, fora deste país cujo povo não te entende nem
dá valor ao que tens feito. Vai por exemplo para o Pólo Norte ou para a Gronelândia...
Dizem que lá há muito espaço para construíres aeroportos, pontes, linhas de alta
velocidade e auto-estradas!
Um beijinho e desejos de boa viagem,
Alice"
Artigo escrito por Alice Morgado
Retirado do Blogue "FANTÁSTICO, MELGA!
14 de Mar de 2011